Paralelamente à confirmação de que planeja vender cinco subsidiárias estratégicas e rentáveis da Caixa Econômica Federal, enfraquecendo o maior banco público do país, o governo toma medidas para diminuir ainda mais a sua capacidade de realizar políticas públicas. Agora, força os bancos estatais, que têm socorrido milhares de brasileiros especialmente nesta crise, a “devolverem” os chamados “Instrumentos Híbridos de Capital e Dívida” (IHCDs).

O IHCD é um tipo de contrato — regulamentado, legal e auditado — de empréstimo realizado junto ao Tesouro Nacional que reforça o capital das instituições financeiras. Instrumentos como este não têm data de vencimento e vêm sendo usados para aumentar a capacidade de oferta de crédito, diminuir a taxa de juros e elevar o investimento do banco em políticas nas áreas de habitação, saneamento e infraestrutura, entre outras.

A despeito da finalidade do IHCD, principalmente neste momento de pandemia, o Executivo se movimenta para retirar da Caixa, do Banco do Brasil e do BNDES mais de R$ 230 bilhões com a justificativa de “formar um colchão da dívida”. Ou seja: declaradamente, o governo retira recursos que seriam investidos em políticas públicas e os transfere para os bancos privados, que são os principais detentores da dívida pública.

Do total de R$ 230 bilhões, algo em torno de R$ 156 bi estão no Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). No caso da Caixa Econômica, foram concedidos à estatal R$ 40 bilhões em IHCD (entre 2007 e 2013), sendo que R$ 11,35 bi já voltaram para o Tesouro em 2019.

É importante observar que a operação com os IHCDs traz vantagens para ambos os lados; especialmente para a população brasileira beneficiada com investimentos decorrentes deste capital. No caso da Caixa, o aporte dos recursos em seu capital permite a ampliação das operações do banco; já a União recebe taxa de juros acima da Selic, a taxa básica de juros da economia. Nada tem de “pedalada”.

Responsável não só pelo pagamento do auxílio emergencial e de outros benefícios sociais para 160 milhões de brasileiros — mais da metade da população —, a Caixa liberou em 2020, no contexto da pandemia, R$ 28 bilhões em financiamentos a juros baixos para 300 mil pequenas e médias empresas. A medida significa estímulo para quem gera empregos e renda ao país.

Por dia, o banco realiza mais de 250 mil simulações e concretiza cerca de 4,4 mil avaliações de crédito habitacional. No mês de outubro de 2020, a Caixa Econômica Federal atingiu a marca histórica de R$ 500 bilhões no saldo da carteira nessa modalidade de empréstimo.

Apesar de resultados como esses, o governo e também o Tribunal de Contas da União vêm pressionando o banco a devolver os IHCDs. Contando com recursos que sequer existem, como a venda de ações da Caixa Seguridade por meio de IPO (Oferta Pública Inicial de ações, na sigla em inglês), a direção do banco fala em devolver um total de R$ 5 bilhões.

A “devolução” desses valores traz embutida, na verdade, uma lógica perversa e falaciosa para a privatização da Caixa. Outro arranjo que demonstra este real objetivo e a inoperância e incapacidade do governo de criar soluções para realmente tirar o país da crise, de forma sustentada, é a venda de ativos da Caixa. A desculpa é pagar a dívida pública a partir da transferência direta de recursos públicos para o mercado financeiro privado, queimando patrimônio e exaurindo a capacidade da estatal de investir no desenvolvimento do país.

Ao contrário de reduzir a capacidade dos bancos públicos, o momento demanda justamente o contrário: que eles tenham um papel anticíclico para que a economia se mantenha ativa. Assim como em 2008, a crise provocada pela pandemia do coronavírus demonstra que bancos públicos são fundamentais para a retomada da economia.

O Brasil precisa de um banco público sólido e competitivo, capaz de dar conta tanto da concorrência privada quanto das suas responsabilidades sociais. A lição aprendida é a de que a Caixa Econômica Federal, fortalecida, é essencial para o Brasil seguir adiante.

*Presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal

Artigo publicado no jornal O Globo no dia 16 de março de 2021

 

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