2º CONCURSO DE LITERATURA DA FENAE – LETRAFENAE 2004

2º lugar na categoria Contos


Edison de Sousa Costa (Uberlândia/MG)

 

A SOMBRA NA ESCURIDÃO


“O segredo da existência humana consiste não somente em viver, mas ainda em encontrar um motivo de viver”.
Dostoiévski

Assim que começou a subida da serra notei um barulho diferente no motor da camionete. A velha picape Chevrolet começava a sentir os efeitos de quase cinco anos
rodando por estradas esburacadas, visitando os lugares mais isolados em busca de mercadoria de qualidade e aguentando a botina pesada de Chico Maciel. Quando meu pai morreu, lá se vão quase sete anos, minha mãe teve que se virar para tocar o empório no mercado municipal de Santa Fé e sem a ajuda de Chico Maciel e a esposa dele, dona Lourdes, prima distante de minha mãe, teria sido quase impossível. Casal sem filhos e já adiantado em anos (Chico Maciel, apesar de sacudido, já passa dos cinqüenta), foram morar na nossa casa para fazer companhia à minha mãe quando fui estudar em Belo Horizonte.
As duas mulheres tocavam a banca no mercadão de Santa Fé enquanto o velho Chico Maciel rodava as fazendas em busca de queijo, ovos, frango caipira, temperos, polvilho e tudo o mais que o povo da cidade adora mas só é produzido na roça.
Estacionei a camionete numa reentrância da estrada, já no meio da serra e desliguei o motor. Abri a tampa do capô, saiu uma fumaça escura e percebi que teria que esperar alguns minutos para evitar o superaquecimento.
Para abrir a estrada foi preciso cortar a serra em vários pontos e por isso, de um lado era um paredão rochoso e do outro, um precipício de quase cinqüenta metros. O lugar onde parei era quase um mirante natural, de onde se via o vale todo, o Rio Vermelho correndo lento lá embaixo, um ipê amarelo com as flores destacando-se ao longe e as manchinhas brancas do gado pastando preguiçoso na imensidão verde, paisagem de cartão postal na tarde que ia terminando.
Nunca passei por essa estrada antes e nas viagens que fazia com Chico Maciel, nas férias da escola, o itinerário dele só ia até o Engenho Velho, na fazenda do velho Valentim, onde eu almoçara e recolhera uma boa partida de queijo curado. Seu Valentim Cu-seco era um homem extremamente magro, não muito alto, voz estrepitosa de quem lidou com a peãozada boa parte dos seus sessenta anos, bigode bem cuidado e os cabelos ralos começando a branquear. A magreza cadavérica e a quase inexistência do glúteo renderam-lhe o apelido infame. É incrível a criatividade do brasileiro em matéria de apelidos. Lembro-me de um chinês que trabalhava numa pastelaria em Belo Horizonte e que o pessoal da faculdade chamava de “Hemorróidas”. Achei estranho a primeira vez que ouvi chamarem-no assim e indaguei ao Alencar, o mais velho da turma, o motivo de tal apelido.
- Nós apenas traduzimos o nome dele do chinês para o português – começou o engraçadinho.
- Como assim? Como é o nome dele na China? E saboreando a minha curiosidade, com a voz ensaiada de quem já tinha dito aquilo centenas de vezes, esclareceu:
- Ku Shai Shang. Seu Valentim, como na maioria dos casos, detestava o apelido e já tinha saído na faca mais de uma vez quando algum desavisado deixava escapar a alcunha na sua presença.
Mas, como dissera Chico Maciel, tinha um coração enorme.
Assim que estacionei a camionete debaixo da gameleira na frente do curral, ouvi quando ele gritou para a esposa:
- Leontina, olha quem está aqui. O sobrinho do Maciel.
- Bom dia, seu Valentim. Como vai essa força?
- Sobrevivendo, meu filho, sobrevivendo. Mas cadê o Chico Maciel?
- Pegou uma gripe, nada sério, mas vai ter que ficar uma semana de molho.
- Então na próxima viagem já deve estar de volta.
- Com toda certeza.
Dona Leontina, senhora baixinha e atarracada como a maioria das donas de casa no nosso meio rural, lenço estampado na cabeça, entrou na sala e cumprimentou-me efusivamente depois de enxugar as mãos no avental.
- Mas que surpresa! Ainda está longe das férias. O menino não estava estudando nesta época do ano?
- Houve uns probleminhas, dona Leontina. Tive que trancar a faculdade e devo voltar só no ano que vem.
Seu Valentim baixou um pouco a voz:
- Maciel andou me contando, parece que você se desentendeu com os milicos.
- Foi tudo um engano, seu Valentim. Eles me confundiram com outra pessoa.
- É, meu filho, são tempos difíceis para quem se mistura com esses comunistas. A gente tem que tomar cuidado – sentenciou o velho, franzindo a testa em sinal de preocupação.
Eu tinha sido preso em Belo Horizonte há alguns meses porque um dos dois colegas que dividiam o apartamento comigo na Lagoinha estava envolvido na luta armada contra o governo militar, sem que ninguém soubesse. Maurício, filho de uma família abastada de Governador Valadares, sempre foi um cara esquisito, desaparecia de vez em quando, faltava freqüentemente às aulas, quase não conversava com os colegas, mas aos vinte e poucos anos, numa cidade grande como Belo Horizonte, isso não parecia assim tão estranho. Até que um dia tocaram a campainha do apartamento e quando eu abri entraram de supetão cinco ou seis policiais armados até os dentes, uns fardados, outros à paisana, gritando onde estava o companheiro Lindomar, que, como fiquei sabendo depois, era o codinome do filho da puta do Maurício na tal organização. Como o apartamento estava alugado em meu nome, cismaram que eu é que tinha montado o “aparelho” e por isso me levaram preso para uma delegacia no alto da avenida Afonso Pena, próximo à Rua Bernardo Guimarães, onde conheci o Tenente Cardoso e o detetive Paulo Silveira, duas figuras que eu preferia jamais ter encontrado na vida. Como não conseguiram provar o meu envolvimento, tiveram que me libertar depois de duas semanas de espancamentos e humilhações. Foram as semanas mais longas da minha vida, de suplícios inesquecíveis e a morte espreitando a cada minuto. Também não ficou claro para as autoridades que eu era inocente, o que mantinha a espada suspensa sobre minha cabeça e por isso resolvi voltar ao interior, para a casa de minha mãe em Santa Fé e talvez nunca volte a Belo Horizonte para terminar o curso de Direito.
Dona Leontina, com sua vasta experiência, notou a sombra que se abateu sobre os meus olhos e tratou logo de mudar o rumo da conversa:
- Padre Luiz passou por aqui ontem e perguntou pelo Maciel – Disse ela.
- É mesmo? Parece que tinha um bom tempo que ele não vinha por aqui -
Chico Maciel tinha falado alguma coisa sobre uma rusga entre o padre e o fazendeiro.
- Aos poucos ele vai voltando a freqüentar a casa, não é, meu velho? – cutucou ela, chamando seu Valentim para a conversa.
- A verdade é que esse padre não gosta muito de mim, Leontina. Vai-se fazer o quê? – disse, conformado.
Eu sabia bem porque o reverendo, também já idoso, não gostava do velho fazendeiro. Numa festa do Divino, seu Valentim contava, numa roda de amigos, o padre também presente, o caso sobre a lavoura de arroz que ele plantara na várzea do rio no ano anterior e cuja produtividade tinha sido mais que o dobro da média da região.
- Arrancamos aquele mato todo, só eu e mais um peão, uma trabalheira que só vendo – começou ele.
- E com a ajuda de Deus, seu Valentim – atalhou o padre.
- Claro, padre. Tivemos que fazer tudo na enxada, o terreno é muito escorrido, não tive como usar o arado.
- Sempre com a ajuda de Deus – disse o padre outra vez.
Seu Valentim já olhou para ele com cara de poucos amigos, mas continuou:
- Muito trabalho, mas valeu a pena. Colhi quase trezentos sacos naquele pedacinho de chão, vocês acreditam?
- Com a ajuda de Deus – insistiu o padre pela terceira vez.
Aí não teve mais jeito e seu Valentim queimou o sabugo com o reverendo:
- Está certo, padre, mas quando Deus tocava aquele brejo sozinho, só tinha assa-peixe e capim colonião, era uma quiçassa só.
Bem depois do almoço, após carregar a camionete com a partida de queijo e algumas garrafas de aguardente e enquanto saboreava o café feito na hora por dona Leontina, perguntei a seu Valentim onde podia encontrar queijo de leite de cabra, porque estava havendo muita procura no mercado de Santa Fé. Ele pensou por uns instantes, descansou a xícara na mesa e respondeu:
- Queijo de cabra? O velho Zé Quintino cria cabras no alto da serra. Se alguém tem queijo de cabra por aqui, só se for ele.
- Como se chega até lá? É muito longe? – indaguei.
O velho foi até a porta e apontou a serra ao longe:
- Umas cinco ou seis léguas, seguindo pela estrada velha, atravessando o rio
pela antiga ponte de madeira. Depois de subir a serra há um chapadão. O sítio de Zé Quintino fica na beira da estrada, não tem como errar.
- Acho que vou fazer uma tentativa antes de voltar ao Pilar.
- O velho é meio esquisito, nunca sai daquele fim de mundo, mas corre por aí que ele gosta de uma cachaça. Leva uma branquinha de presente, que tudo vai dar certo – arrematou seu Valentim com um risinho maroto nos lábios.
A pinga do Engenho Velho tinha tradição, era fabricada desde os tempos do avô de seu Valentim e mesmo quando o engenho foi desativado o velho João Clemente, filho de portugueses, fez questão de manter o alambique e a moita de cana caiana sempre viçosa na beira do córrego. Como eu levava vinte litros dessa preciosidade, não teria problemas em presentear o criador de cabras com uma garrafa.

Já havia anoitecido há algum tempo quando as subidas foram suavizando até que a estrada sinuosa ficou completamente plana, mas no painel o ponteiro da temperatura mostrava o motor fervendo novamente. As árvores mais altas, próprias da serra, deram lugar a um cerrado com vegetação mais rala e ao fazer uma curva os faróis iluminaram ao longe, em meio ao descampado, uma enorme cruz de madeira cercada por uma infinidade de cruzes menores, algumas enfeitadas, fincadas no solo sobre pequenos monturos de terra. Morriam muitas crianças nos primeiros anos de vida por esses lugares, de febre, diarréia, do mal de sete dias, que nada mais era do que o tétano no umbigo mal curado, e por isso os cemitérios de anjos, como aquele, eram comuns nas fazendas da região. A visão da morte deixou-me um pouco inquieto e enquanto rodava mais alguns quilômetros em busca do sítio de Zé Quintino, comecei a lembrar as histórias sobrenaturais que Chico Maciel sempre contava sobre esses lugares. A Vila de Nossa Senhora do Pilar, como as cidades históricas de Minas, era da época colonial e o seu casario antigo, a matriz imponente, as ruas calçadas de pedra, o prédio de câmara e cadeia com celas subterrâneas, tudo isso lhe emprestava um ar fantasmagórico, propício à proliferação de histórias inexplicáveis. Na serra do Pilar havia muitas minas abandonadas do tempo em que o ouro era retirado pelos escravos, onde, hoje em dia, quase ninguém tinha coragem de por os pés porque quem entrava nas cavernas não saía mais; E ao cair da noite, era comum avistar grandes fachos de luz e ouvir gritos lancinantes ecoando em meio aos precipícios. Havia uma figueira frondosa na estrada do Engenho Velho, numa subida logo depois de atravessar o rio, que tinha fama de assombrada porque marcava o lugar onde tinha morrido João Carreiro, um negro filho de escravos que se tornara homem de confiança do velho João Clemente no tempo em que saía açúcar do Engenho Velho para abastecer até o sul da Bahia. Contam que o negro vinha tocando o carro de boi tranqüilo pela estrada quando o cheiro de onça assustou os animais e eles saíram da trilha, deixando o carro, com mais de trinta sacas de açúcar, pendurado num barranco de dez metros de fundura. João Carreiro postou-se do lado do buraco, com a vara de ferrão em punho tentava direcionar os bois para o lado oposto, mas, de repente, um dos garrotes da junta nova do cabeçalho fez um movimento brusco, partindo a canga ao meio, voou pedaço de canzil para todo lado e o carro virou de uma vez sobre o pobre carreiro, os cravos de ferro que recobrem a roda de madeira esmagaram-lhe o peito de alto a baixo.
Alguns meses depois um viajante que ia a cavalo para o Engenho Velho em noite de lua clara contou ter avistado o velho carreiro debaixo da figueira, a vara de ferrão ao ombro, gritando com a boiada, o torso nu deixando à mostra a enorme cicatriz como uma faixa atravessada de um lado do ombro ao outro da cintura. Daí para a frente a história se espalhou e quem pode evita passar por aquele lugar à noite.
A última aparição do finado João Carreiro aconteceu logo que Chico Maciel começou a rodar pelas estradas da região e ele sempre aproveitava o episódio para reforçar o perigo que é andar por esses caminhos depois que anoitece.
A história era bem conhecida por esses pés de serra. Neco Leiteiro tinha ido levar uma carga de sal que seu Valentim encomendara de Santa Fé, demorou para descarregar e quando voltava para o Pilar, já depois da meia-noite, o caminhão estragou na descida perto do Rio Vermelho. Tinha rodado pouco na estrada, ficava mais fácil voltar a pé a légua e meia que o separava do Engenho Velho, dormir por lá e no dia seguinte buscar o mecânico Expedito para consertar o veículo. Quando passava, a pé, perto da velha figueira depois do rio, que tem fama de assombrada, começou a ouvir os gritos:
- Vai, Pintado. ôoa, Rochedo. Firma, Cigano.ôôôôôô, boi – Era João Carreiro comandando suas dez juntas de bois que puxavam um carro imaginário em algum lugar do além. Como das outras vezes, o carreiro estava de pé embaixo da figueira.
O pobre do Neco ficou tão apavorado que tentou correr mas as pernas não obedeciam, então foi se afastando lentamente, os pés varrendo o cascalho da estrada, o coração acelerado ameaçando sair pela boca e ouvindo ao longe o gemido melodioso do atrito entre o cocão e o eixo de aroeira, como um anjo tocando rabeca no chumaço embebido em querosene. O carro de boi cantando alto na noite até então silenciosa era um lamento tão tristonho que só podia ser coisa do outro mundo (até hoje quando ele conta isso o pelo do braço se eriça, diz Chico Maciel).
Seu Valentim diz que Neco chegou no Engenho Velho sem uma gota de sangue nas fuças, mas, mesmo assim, até hoje o velho fazendeiro é um tanto cético quanto a essa história.
- Esse leiteiro é um borra-botas, caga-se de medo até do pio do urutau. Deve ter ouvido um barulhinho qualquer e cismou que era assombração.
E gargalhava a pano solto; depois, interrompe a risada comprida para concluir, sério:
- É engraçado como essas coisas nunca aparecem para cabra macho, só para caboclo bunda-mole, cagão feito esse Neco.
Não sei se eu era um cabra macho, como dizia seu Valentim, mas o fato é que nunca presenciara nada que não tivesse uma explicação lógica e racional. Em matéria de coisas sobrenaturais meu pai ensinava que o melhor a fazer é ficar em cima do muro: não acredito nem desacredito. Como diz o velho ditado espanhol, “no creo em brujas, pero que las hay, las hay”.

Andei mais alguns quilômetros e, como não encontrava o sítio de Zé Quintino, encostei a camionete, a esta altura já com o motor quase fritando, debaixo de um grande pé de lixeira afastado alguns metros da estrada. Abri a tampa para arejar um pouco o motor escaldante, fiz alguns alongamentos a fim de restaurar o corpo dolorido e quando lembrei de olhar no relógio, já passava das dez horas da noite. Achei melhor pernoitar por ali mesmo, já que teria que esperar umas duas horas até o motor esfriar e seria complicado bater na casa de alguém àquela hora da noite.
Por aqui nunca chovia nessa época do ano. Então, retirei o colchonete que Chico Maciel sempre carregava em suas viagens e improvisei uma cama sobre a grama rala, perto do tronco da lixeira, utilizando uma mochila como travesseiro. O vento da serra começava a esfriar e ao perceber que o velho cobertor sapeca-negrinho, já ralo e puído pelos anos de estrada, não ia dar conta do recado, resolvi esquentar o peito com uma das garrafas de aguardente do Engenho Velho.
Como eu não tinha o hábito de consumir bebidas alcóolicas, o efeito foi imediato e em poucos minutos eu estava zonzo. Pelo menos comigo, o álcool parece trazer sempre as piores lembranças. Enquanto sorvia pequenos goles no gargalo da garrafa, veio-me à cabeça os longos dias de prisão em Belo Horizonte, as piores humilhações, a tortura física e psicológica, as súplicas vãs e o escárnio sistemático dos carcereiros.
- Pelo amor de Deus, eu sou inocente! – Eu gritava desde o início, em meio ás lágrimas e tinha como resposta apenas o cinismo do militar conhecido por Tenente Cardoso.
- Olha só, Silveirinha. Outro inocente. Nesses anos todos não entrou um único culpado por aquela porta, não é de admirar?
O detetive Silveirinha ria um riso indecente, meio ensaiado, como quem estava acostumado a servir de claque para o chefe, enquanto batia, ameaçador, o cassetete na palma da mão esperando a hora de entrar em ação.
A cada interrogatório seguia-se o espancamento, o cassetete dilacerando o corpo nu, ora manejado por um, ora por outro e ás vezes a máquina de choque elétrico também era utilizada nas partes mais sensíveis. Além de mim, havia mais quatro presos no pavilhão, todos em celas separadas, inclusive uma moça jovem, que vi umas duas ou três vezes quando o detetive Silveirinha a arrastava para o interrogatório. Ouvi um dos prisioneiros referir-se a ela como a companheira Carmem. Talvez o pior de tudo, mais até do que as torturas físicas, era ouvir quando ela gritava desesperada e impotente na sala do Tenente Cardoso. Às vezes acordo no meio da noite ouvindo seus gritos e levo alguns minutos até reconhecer as paredes brancas da casa de minha mãe em Santa Fé. Não sei se um pedaço de mim ficou para sempre naquele calabouço infecto ou se sou eu que o carrego comigo aonde quer que vá. Malditos! – Não consigo conter a revolta e o grito forte ecoa pela mata silenciosa, causando um reboliço estranho de animais acordando e pareceu-me ouvir ao longe um cachorro latindo. Enquanto levo a garrafa de cachaça, que já ia pela metade, de novo à boca, notei que lágrimas de raiva escorriam pelo meu rosto. Não sabia se estava com mais ódio do Tenente Cardoso e do Silveirinha ou do Companheiro Lindomar, que depois de causar a bagunça toda, sumiu do mapa. Se pudesse, mataria os três.
“Más lembranças são como sombras na escuridão: você não pode ver com clareza mas elas estão lá, à espreita. Basta um pequeno raio de luz para que tomem forma novamente e voltem a ser o pesadelo que sempre foram.” Só agora eu podia entender, em toda a sua profundidade, a frase anotada na primeira página de um caderno xadrez que meu pai, judeu polonês sobrevivente de Auschwitz, mantinha trancado numa gaveta em seu pequeno escritório. Era quase um diário das agruras sofridas sob o jugo nazista durante a guerra. O velho foi encontrado morto numa manhã de domingo, no sítio da família onde ele passava os fins de semana, sentado na cozinha com um buraco no lado esquerdo do peito e a pistola Walther, alemã, na mão direita inerte sobre a mesa. Não suportou viver com as lembranças do holocausto e deu um tiro no próprio coração. Eu tinha acabado de fazer quinze anos.

Acomodei-me como pude na cama improvisada e quando consegui dormir já passava de meia noite. Tive um sonho esquisito naquela noite, embora bem diferente dos pesadelos protagonizados pelo Tenente Cardoso e pelo detetive Silveirinha. que me perseguiam ultimamente.
Uma bonita moça estava parada na minha frente, ali mesmo debaixo do pé de lixeira, a poucos metros de mim. Vestia uma longa túnica branca de algodão e estava envolta num círculo de luz, lembrando uma imagem de Santa Luzia que minha avó Benvinda tinha na cabeceira da cama, a santa segurando a bandeja com os dois olhos no meio de um facho de luz oval.
- Moço bonito da cidade! – Falou ela com voz suave.
- Quem é você? – perguntei, e parece que minha voz saía de outra pessoa, como um ventríloquo.
- Meu nome é Iracema. Me leva com você?
Não parecia um sonho, eu podia jurar que meus olhos estavam abertos e além disso aquele rosto não me era totalmente estranho, embora eu não lembrasse de imediato de onde o conhecia.
Num gesto calculado, ela retirou ao mesmo tempo as duas alças dos ombros e a túnica escorreu-lhe até os pés, oferecendo aos meus olhos, como uma cortina que se abre, o corpo bonito ainda jovem, totalmente nu, os seios pequenos e pontudos, o púbis sombreado pelas coxas grossas e bem torneadas. O círculo de luz sumira de repente e apenas uma sombra destacava-se na grossa penumbra da noite. Lentamente, como se flutuasse sobre a grama, ela veio em minha direção e enfiou-se ao meu lado debaixo do cobertor, a carne quente e rija atrelando-se ao meu corpo, os lábios ardentes oferecendo-se, esmagando os meus, a língua úmida, viperina, despertando desejos que não há como resistir.
Acordei de manhã com o sol surgindo atrás da serra e queimando a minha cara porque naquela altura do dia de nada servia a copa frondosa do pé de lixeira. Esfreguei os olhos e ao olhar á minha direita, próximo a uma pequena colina a pouco mais de quinhentos metros, avistei uma casa que só podia ser o sítio de Zé Quintino. Desmontei o pequeno acampamento e em poucos minutos estacionava a camionete em frente a uma casa velha e mal conservada, em vários pontos o reboco caíra, deixando à mostra os enormes adobes de barro branco que substituíam os tijolos nas construções mais antigas. Algumas cabras que pastavam junto a um pequeno curral assustaram-se com o barulho e saíram em disparada. Um vira-lata magro surgiu no canto da casa, latiu sem muita convicção e desapareceu em seguida em meio ao melão de São Caetano que cobria de ponta a ponta a cerca do quintal, acentuando ainda mais o ar de abandono e desolação. Ia bater palmas quando surgiu no pequeno alpendre um senhor já velho, talvez setenta anos ou mais, enormes barbas brancas que não viam uma navalha há anos, trazendo na mão direita uma caneca de folha de flandres, dessas que na roça eles pegam uma latinha de extrato de tomate e colocam uma asa para segurar.
- Bom dia. O que o moço veio fazer neste fim de mundo? – perguntou ele, a princípio meio hostil, mas o fim da frase já soou mais acolhedor.
- Creio que o senhor é seu Zé Quintino, não é mesmo? Preciso de uns queijos de leite de cabra e parece que só o senhor tem isso por aqui – Despejei tudo de uma vez para tranqüilizar o velho matuto.
- Vamos entrando. Enquanto o moço toma um café a gente conversa.
Não esperei um segundo convite e fui entrando na casa seguindo o velho que se dirigia rapidamente rumo à cozinha. Estranhamente não havia mais ninguém na casa e ao passar pela sala chamou-me a atenção, sobre uma mesa que era o único móvel do cômodo, um porta-retrato com a fotografia de uma moça morena, bonita, os longos cabelos negros escorrendo pelos ombros. A fotografia não era muito recente, mas mesmo assim, não foi difícil reconhecer a companheira Carmem, da prisão em Belo Horizonte e qual não foi o meu espanto ao lembrar então que era ela a mulher do meu sonho na noite anterior. Seu Zé Quintino estranhou a minha demora e ao voltar da cozinha com duas canecas de café, surpreendeu-me com o porta-retrato na mão. Recoloquei-o no seu lugar de origem, um pouco envergonhado com a falta de cerimônia.
- Bonita moça. É sua filha? – perguntei, desculpando-me com o velho.
- Sim, é minha filha Iracema. – respondeu ele, entregando-me o café fumegante.
- E onde ela está agora?
- Iracema não está mais entre nós – disse ele, enigmático.
Depois atravessou a cozinha e pediu que o seguisse até uma varanda que dava para o quintal. Apontou com o dedo uma grande mangueira a uns dez metros de distância, próxima de onde corria o rego d’água e à casinha do monjolo.
- Ela enforcou-se no pé de manga, naquele galho ali mais baixo, há alguns meses.
Quase não consegui falar de tanto susto. Tomei de um só gole o resto do café da caneca na tentativa de empurrar o pedaço de bolo que entalara em minha garganta.
- Como foi isso, seu Zé? – perguntei quando finalmente consegui falar.
- Passou aqui um moço elegante feito vosmecê, de automóvel novo, e carregou a minha menina para a cidade grande. Ela ficou por lá um bom tempo, mas parece que alguma coisa saiu errada e no começo do ano ela bateu aqui de novo.
- Por que será que ela se matou, seu Zé? – perguntei, tentando disfarçar o horror que sentia.
Notei que o velho tinha os olhos cheios d’água ao responder.
- Ela sempre sonhou deixar esse fim de mundo, falava em mudar para a cidade desde que era um pedacinho de gente correndo por esses pastos. Quando finalmente aconteceu, deve ter percebido que não era bem como ela tinha imaginado.
- Mas isso não é motivo para se matar, seu Zé. – ponderei.
- Talvez não. Alguma coisa de muito ruim aconteceu, ela acordava de madrugada gritando apavorada, como se o quarto estivesse cheio de demônios. O fato é que ela não podia mais viver na cidade e a vidinha daqui já não lhe servia mais.
- Só a realização de um sonho é capaz de acabar com ele. – filosofei.
O velho nem me ouviu e, como se falasse com ele mesmo, continuou:
- Naquela manhã, quando acordei e abri a porta da cozinha, o vento balançava o seu corpinho franzino para um lado e para o outro, como se fosse um pêndulo de relógio; não tem como um pai esquecer aquilo. Nem sei como consegui descer a minha menina daquele galho, mas quando olhei no seu rosto, tive a impressão que todo o tormento e a amargura que ela carregava dentro de si tinham desaparecido. Enterramos a pobrezinha no cemitério de anjos aqui perto, na descida da serra, e nunca houve um dia mais triste por estas bandas.
Nesse ponto o velho Zé Quintino levou a mão ao rosto, na tentativa de sufocar um soluço que lhe sacudiu, de alto a baixo, o corpo encarquilhado. Enxugou os olhos com as costas da mão enrugada, pediu desculpas e ofereceu-me mais um pedaço de bolo. Recusei educadamente e, para mudar de assunto, lembrei a ele o que eu tinha ido fazer ali.
- Seu Zé, eu vim até aqui para comprar o seu queijo de cabra.
- Olha, meu rapaz, eu não faço queijo para vender, apenas para o gasto e para servir alguns amigos aqui de perto. Mas vou lhe arranjar alguma coisa, vosmecê não vai perder a viagem, eu lhe garanto. – E foi a primeira vez que vi o esboço de um sorriso em meio à barba espessa do velho.
- Eu agradeço, seu Zé. Minha mãe precisa muito destes queijos em Santa Fé.
Seu Zé Quintino cedeu-me, a um preço razoável, mais da metade de seu estoque, uns dez ou doze quilos de queijo de cabra, e pouco antes das dez horas da manhã eu já estava despedindo-me do velho, com a camionete pronta para pegar a estrada rumo ao Pilar.
- O moço não quer mesmo ficar para o almoço? – insistiu ele
- Muito obrigado, seu Zé, mas o carro está com defeito e vou ter que andar devagar. Daqui até a cidade ainda tem um estirão.
- É só seguir em frente umas três léguas, até pegar a estrada nova que desce a serra pelo outro lado e vai sair no Pilar. Não tem como errar. – repetiu ele as instruções que já tinha me passado mais cedo.
Peguei na camionete uma das garrafas de aguardente e entreguei a ele.
- É para o senhor, seu Zé. É aqui do Engenho Velho, não sei se o senhor conhece.
- Mas é claro. Quem é que não conhece a pinga de Valentim Cu-seco?
E uma ligeira sombra pairou sobre seu rosto antes de continuar:
- Agradecido, meu rapaz, todo mundo precisa se escorar em alguma coisa para tocar a vida, não é verdade?
Sim, era verdade. Todos nós precisamos de alguma ajuda para seguir em frente, seu José. O velho matuto fitou a garrafa de cachaça mais uma vez e, com os olhos rasos d’água, concluiu, desconsolado:
- Alguns se apegam com Deus, mas parece que ele esqueceu esse lugar.
Dei-lhe um tapinha nas costas, tentando animá-lo e também à guisa de despedida:
- Vida que segue, seu Zé, vida que segue! – um nó na garganta, a voz custou a sair.
Dei partida na camionete e, após um último aceno de mão, peguei a estrada rumo ao Pilar. Durante toda a viagem, que apesar de demorada pelas paradas que tive que fazer transcorreu sem maiores problemas, eu não conseguia tirar da cabeça a estranha aparição de Iracema no meu sonho na noite anterior, se é que aquilo tinha sido mesmo um sonho.
Ao chegar à cidade, quase duas horas da tarde, contornei a praça da matriz e segui direto para a oficina do Expedito, que ficava no lado oposto à igreja e perpendicular à rua da pensão de dona Mariinha, onde Chico Maciel ficava hospedado. Expedito, um mulato grandalhão que se tornara o mecânico de confiança de Chico Maciel desde que ele aportara por essas bandas (também era o único num raio de mais de cem quilômetros), examinou o motor ligado por alguns minutos, depois desligou e decretou, com sua voz pastosa:
- Estourou a mangueira do radiador.
- Dá para consertar a tempo de seguir viagem para Santa Fé ainda hoje? - questionei.
- Negativo. Não tenho a mangueira no estoque, vou pedir em Santa Teresa. Só vem amanhã cedo, no expresso das oito – encerrou ele, com cara de quem ainda estava me fazendo um grande favor.
O que não tem remédio remediado está. Peguei a mochila e segui para a pensão de dona Mariinha, a pouco mais de cinquenta metros, no lado direito da praça. Tomei um banho demorado no banheiro construído no quintal, troquei de roupa e, depois de instalado num quarto amplo com janela para a praça, tentei dormir um pouco, mas a cada vez que eu cochilava, vinha um pesadelo horroroso: Eu tentava beijar Iracema, o Tenente Cardoso puxava-a pelos cabelos evitando o beijo, enquanto o bate-pau Silveirinha gargalhava de forma indecente e girava freneticamente a manivela da maquininha de choque. Como não conseguia descansar, perambulei pela minúscula cidade até o anoitecer, visitando ruínas antigas e percorrendo as ruas calçadas de pedra, num cenário que mais parecia um museu a céu aberto. De volta à pensão e depois de me fartar com a janta simples mas deliciosa (só então percebi o quanto estava faminto), permaneci sentado na mesa da cozinha mais um tempo para conversar com dona Mariinha e o filho dela, Bonifácio, um sujeito cinquentão meio retardado, que, sentado num canto da mesa, tentava sintonizar um radinho de pilha. Dizem que ele ficou assim porque, há trinta anos, a mulher fugiu com um mascate pouco mais de um mês depois do casamento e nunca mais deu notícias. Foi um trauma tão grande que desparafusou alguma coisa na cabeça do infeliz, deixando o coitado com a idade mental de uma criança de dez ou doze anos.
- E aí, seu Bonifácio? Procurando umas modas de viola? – provoquei, mais para puxar conversa.
- Tem jogo do Santos, doutor. Começa daqui a pouco. – respondeu sem levantar os olhos, as palavras mal articuladas, a saliva ameaçando escorrer pela boca meio
aberta, enquanto tentava desesperadamente sintonizar uma rádio qualquer de São Paulo.
No interior costuma se dizer que toda cidade tem um bobo e, no Pilar, Bonifácio cumpria esse papel. Como dissera Chico Maciel, sua diversão preferida era acompanhar os jogos do Santos Futebol Clube, com Pelé já em fim de carreira, no velho moto-rádio de quatro faixas.
Dona Mariinha permanecia sentada no rabo do fogão de lenha, terminando de enrolar um cigarro de palha de quase um palmo de comprimento. Resmungou alguma coisa contra as beatas que ensaiavam os cânticos na igreja do outro lado da praça (“como gritam essas papa-hóstias”) e quis saber porque eu não voltara para dormir na pensão no dia anterior.
- Por onde o menino andou no dia de ontem? – perguntou, acendendo o cigarro.
- Fui atrás de uns queijos de leite de cabra num lugar chamado Chapadão, do outro lado da serra, e acabei dormindo por lá. A senhora conhece?
- Claro. O queijo de cabra do velho Zé Quintino.
- Me diz uma coisa, Siá Maria. A senhora conheceu a filha dele que se matou?
- De vista. Fui ao enterro dela lá em cima da serra. Coisa triste de se ver, um pai naquele estado, meu filho. – disse pensativa enquanto tirava outra baforada no cigarro de palha.
- E ele não teve outros filhos?
- A mulher dele morreu cedo e o maluco nunca quis se casar de novo. Ou então nunca achou uma doida para encarar. – deu de ombros.
- É como diz o ditado, Siá: quem tem um filho não tem nenhum. – filosofei.
- Na verdade ele tinha duas filhas.
- Duas filhas? Me conta essa história direito, Siá Maria – ajeitei-me na cadeira curioso para saber da novidade.
A velha percebeu a minha ansiedade e, para fazer suspense, pegou um tição no braseiro, soprou-o várias vezes até que brotasse uma pequena chama, depois acendeu bem devagar o cigarro de palha que se apagara momentaneamente.
- Isso mesmo. Eram duas meninas, até que uma das gêmeas, Iracema, que andava sumida pelo mundo, resolveu voltar e se enforcar no quintal de casa, sabe Deus porquê. – disse ela em meio a uma nuvem de fumaça.
Então era isso: irmãs gêmeas. As coisas começavam a fazer algum sentido, mas havia ainda muitas áreas de sombra. - - E o que foi feito da outra gêmea? Como é mesmo o nome dela? – perguntei.
- Iolanda. Ela continua morando lá no sítio. Vocês não se encontraram?
- Não, estive pouco tempo por lá e falei apenas com o velho.
- Sorte sua. Parece que a coitadinha ficou meio lesa das idéias, às vezes pensa que é a irmã morta. Cruz credo! – E benzeu-se mais de uma vez.
Enquanto a velha fazia repetidas vezes o sinal da cruz não pôde perceber a mudança sutil que se operara em meu semblante. Pode ser que Iolanda tivesse alguma coisa a ver com a estranha aparição da noite anterior, já que eu pernoitara bem perto do sítio de Zé Quintino e não seria difícil para ela deslocar-se até lá enquanto o pai dormia. De qualquer maneira, havia muitas perguntas sem resposta e eu talvez nunca soubesse com certeza o que realmente aconteceu. Senti um certo alívio ao saber que, provavelmente, eu não havia feito amor com um fantasma, só que, ao mesmo tempo, a considerar a hipótese aventada, restava a frustração por constatar, mais uma vez, que tudo na vida tinha uma explicação lógica e racional.
Despedi-me de todos com um único boa noite e retirei-me para o quarto, pressentindo que seria difícil dormir naquela noite.
De fato, rolei na cama por um bom tempo sem conseguir pregar o olho, atrapalhado pelo coro das beatas na igreja próxima e pelo rádio que Bonifácio escutava na cozinha.
Mas, mais do que os ruídos, meus pensamentos é que não me deixavam dormir.
O que me mantinha acordado não era tanto o episódio estranho da noite anterior, que afinal, podia ou não ter tido algo de anormal; O que realmente me tirava o sono era a história de Iracema e os paralelos entre as nossas trajetórias. Tanto quanto ela, eu também idealizei, desde criança, a vida agitada da cidade grande, efervescente, cosmopolita, labirinto sonhado de perigos e oportunidades, milhares de pessoas de diferentes origens reunidas num mesmo espaço, o lugar onde tudo acontece e onde eu sempre quis estar; E assim como ela, ainda que por agentes ilegítimos e contra a vontade, acabei sendo expelido brutalmente de suas entranhas.
Da mesma maneira, guardadas as proporções, a vida sem horizontes do interior, com suas corrutelas provincianas, sem brilho e sem viço, ou suas fazendas isoladas, bucolicamente mortas, sem nenhuma perspectiva de futuro e ainda policiado pelas justificadas preocupações de minha mãe, a verdade é que esta vida também não me servia mais.
Cedo ou tarde, todos nós descobrimos que o grande perigo de viver é justamente a vida tornar-se sem sentido, ou, nas palavras de Fiódor Dostoiévski, “o segredo da existência humana consiste não somente em viver, mas ainda em encontrar um motivo de viver”.
Ouvi quando, na cozinha, Bonifácio comemorou discretamente o gol de seu time, o rádio mal sintonizado assoviando como o vento em fresta de janela e o longo grito de gol interrompido várias vezes pelas falhas na transmissão, como se alguém estivesse estrangulando o locutor em intervalos regulares de três segundos.
Na praça em frente o movimento cessara de vez e o eco nas colinas em volta da velha igreja parece responder ao coro das beatas entoando um antigo cântico que minha avó gostava, versos de um salmo exaltando o valor das pequenas vitórias na eterna luta contra as tentações, como a me lembrar que a cada dia que amanhece, a cada novo sol que aquece a janela do quarto, é preciso um grande esforço para encontrar um novo caminho, um caminho que passe cada vez mais longe da tentadora corda de sedenho pendurada no galho da mangueira.