2º CONCURSO DE LITERATURA DA FENAE – LETRAFENAE 2004

2º lugar na categoria Poesia


   Dionísio da Silva (São Paulo/SP)

 

E P I C E D I O
PARTIDA DE CRISTINA

 

AMADEU CIRILO

Inda menina herdaste o sueco império
Algo muito duro, também muito sério
Para uma criança na mais tenra idade,
Onde uns vassalos pendem à crueldade.
Começa a ficar moça e então aprende
Que existe algo importante e não depende
Do trono para se tornar mais nobre
E a torne conhecida e ajude o pobre.
Ouve comentar que lá na Espanha havia
Uma trilha que as horas consumia,
Fazendo poesia, construindo um bom ato,
De maneira notória, que, de fato,
Esteve em vigor sábio Calderon,
Fazendo da arte uma "revoluc'ón".
Gostando da arte começa a deixar
Do trono, e a Antônio passa a dedicar.
Com o espanhol viaja pelo interior
Sem medo da crítica e de se expor.
E, com ele empreende viagem distante.
Enquanto isso, na corte, arma um levante
Para ferir a rainha com ameaça,
Quando voltasse. Sentindo a rechaça
Desse encontro amoroso, mais desgosto,
Por ocupar tão elevado posto,
Por não ser compreendida como jovem,
Com sua atitude todos se comovem,
Abandonando o trono com coroa,
Para embarcar no sueco porto à proa
Da grande e bonita nau espanhola
Para ouvir distante a castanhola.
Parte a embarcaçao. Quando se afasta,
Expressa o comandante: "Na nefasta,
Frota, a lágrima seus olhos inunda!
A nau indo lenta na água profunda."
E Nereu a acompanha nesta viagem,
Para um lugar distante sem paragem.
Já por muitos, longos dias navegaram,
E os mais fortes tufões ultrapassaram,
Quando avistaram península Ibérica,
Sustentando o bravo Atlântico esférica,
Como a santa, tão pura mãe de Deus
A proteger seu filho dos ateus.
Por ali aguardam da rainha a chegada,
Que vinha tão abatida e cansada.
Lá estão Don Fernando com sua corte,
Uma estirpe do mais galante porte,
Que com muitos festejos e com dança
a esperam sob a proteção da lança.
Atraca a nau no porto de destino,
Cumprindo sua missao com desatino.
Descendo breve o elegante cortejo,
Já em terra a rainha começa o festejo,
Que passa noite e também o dia,
Ao som da castanhola a melodia.
Dirigem-se rápido para o Paço.
Já na Espanha, para a arte estende o braço,
Une-se a Lopes de Vega e Velasquez.
Com esses mestres alcança destaques,
Dá à arte espanhola no mundo o lugar
Que merece por anos sem parar.
Enquanto na Espanha da arte viviam
Do controverso barroco bebiam
Calderón, Lopes, mais outro quejando,
Da metáfora e rima cultivando,
O seu vizinho país, França, pretende
Com conceitos de Aristóteles, que atende
Aos novos desejos da nova trilha,
Que na mais perfeita arte tanto brilha.
Destaca-se Boileau, que dos maus zomba,
Tornando-se pra Academia uma bomba,
Boileau ordena os maus poetas a aprender
Com trabalho e forma a arte do fazer
Bem e protesta contra a Academia
Por ter sócios que tudo mal fazia,
E a França exige algo a mudar no mundo,
Feito na forma e com amor profundo.
A cultura franca logo se expande
E chega à Itália, tornando-se grande,
Onde se edifica a Arcádia Romana,
Que, sendo fundada, eflúvios emana,
Tendo a rainha Cristina a protetora,
Por ter sido a primeira fundadora.
Junto a Crescimbeni e o Quinto Don João,
Dar sustento à fina cultura vão.
Sob proteção de Cristina surgem
Metastasio, Gravina e outros, que vêm,
Como Vico, com o racionalismo,
Não lembrado devido ao Ilumismo,
O qual em demonstração mui supera
A filosofia que da França viera.
Também no drama a Arcádia se destaca
Com pastores que a velha forma ataca,
Fazendo tudo com simplicidade,
Muito maior expressão e liberdade.
Dircéia, Artaxerxes, Régulo, José,
Que belo trabalho feito com fé!
A mão de Cristina parece tudo,
Para calar o Barroco já mudo.
Então da clássica Arcádia Romana,
Ou como queiram chamar Cristiniana,
Saem os germens para a Ulissiponense
Arcádia, no reino portucalense.
Para uma nova arte desenvolver
No reino, Don João envia a conhecer
Luiz Verney na Itália essa nova forma,
Que em Portugal muito bem se conforma
À vida junto às margens do Mondego,
Não muito longe de um enorme pego,
Por onde naus da Colônia distante,
Vinham carregadas de ouro e diamante,
Em suas quantidades que ao mundo assombra,
Também vinham colonos pôr à sombra
Da rainha, com bom Glauceste amigo
Das Ninfas, Musas em versos pôs, digo,
Viajando a aprender na Arcádia Romana,
Onde reina absoluta a Soberana,
Que a arte da forma transforma em divina,
Que o mundo por um século domina.
Cristina vai desta para melhor
Sua última partida, onde maior
Será o prêmio daquela que foi mito
No mecanismo da arte, cá repito.
Repudiada, depois divinizada
Pela contribuição à Arcádia dada.
Por séculos vindouros seguidores
Seus não faltarão, que grandes favores
Á arte prestarão, como Pedro, o Moço,
Que a autores nacionais, se afirmar posso,
Servia com a mais abundante mesa,
Como Gonçalves Dias, que, com destreza,
Narrando sobre Piagas e Timbiras,
Fazia em belos versos suas doces liras.
Mas, neste século, despercebido,
teu nome passa, já desconhecido
Dos autores, que estímulo não têm
Do Governo e escrevem tudo que vem
À memória, sem métrica, sem nada,
Para ganhar o pão, porção regrada,
Que sustento à família mau vai dar,
Tudo fazendo sem mui trabalhar.
Eu, rainha, que me sirvo da tua Escola
Literária, num alto, venho pô-la,
Por este tão simples, composto verso,
Que espero possa girar no universo,
E aos pósteros que lerem ter lembrado
Teu nome, Augusta, sempre venerado.