2º CONCURSO DE LITERATURA DA FENAE – LETRAFENAE 2004 Menção honrosa na categoria Contos
Picolé premiado Santa Tecla
O importante era a companhia dos netos. Viver sem regras e, principalmente, sem horários. Viajar, rever parentes, amigos, enfim, desfrutar a vida era o seu objetivo. Seu salário de “quase feliz aposentado” – como costumava dizer – estava a disposição desse novo “modus vivendi”. Não exigia muito da vida, apenas saúde e boa visão para leitura dos jornais e ver algum filme na televisão. Gomercindo estava usufruindo o sossego de sua ampla sala de estar, manuseava um livro adquirido no dia anterior. Não era um leitor contumaz, mas saboreava os livros com os cuidados e ritual que a obra literária merecia. Naquela tarde ensolarada de verão estava iniciando a leitura do épico de Érico Veríssimo a trilogia O Tempo e o Vento. -
Picolé premiado! Picolé premiado! – aquela voz vinda
da rua chamou sua atenção. Gomercindo
era filho de ferroviário. Viveu sua infância e adolescência
próxima ao Depósito da Viação Férrea.
Ora levando o almoço para o velho João Baptista, seu pai,
ou brincando de maquinista na velha Maria-Fumaça. Mas em um dado ano, talvez umas das últimas viagens de férias com seus pais, na parada São Pedro, não havia o menino vendedor de picolés. Seu João Baptista perguntou para o Chefe da Estação, interpelou alguns transeuntes, solicitando notícias do Pedro, o menino do picolé premiado e nada obteve de resposta. Ninguém tinha notícias do menino vendedor de picolés. Ele simplesmente não havia mais aparecido. Uma senhora sentada no banco da estação foi ao encontro de João Baptista e falou que o menino juntamente com seus pais haviam se mudado para Porto Alegre. Um outro menino, o engraxate, disse que haviam ido para Santa Maria. Enfim, na parada São Pedro não haveria mais os gritos de “picolé premiado”. Passados
mais de quarenta anos os ecos da infância colocaram Gomercindo apreensivo.
Gomecindo sai porta afora ao encontro do vendedor de picolés. Seu
espanto foi tamanho ao perceber que o menino em sua frente era o mesmo
menino da parada São Pedro. Idêntico, faceiro e sorridente,
parecia irmão gêmeo do guri de quarenta anos atrás. - Picolé premiado! Picolé premiado! – foi-se o menino gritando pelas ruas de Santa Maria. -
Vovô! Acorda vovô! O guri do picolé está chegando.
Compra picolé pra nós. Vamos, ligeiro vovô. |