Abro
o meu e-mail e lá está uma destas mensagens que uns caras
chatos enviam a Deus e ao mundo e que os informáticos chamam
de spam. Não bastasse a inconveniência da mensagem chegar
sem ser solicitada, o título da mesma anunciava acintosamente
"Emagreça sem perder a saúde". Digo acintosamente
porque, dirigida a mim, a mensagem soava mais como uma ironia. E digo
ironia para não usar aquela palavrinha que, na Bahia pelo menos,
serve também para denominar um petisco que se fazia em festas
caseiras constituído de rodelinhas de salsicha enfiadas num palito,
juntamente com pedacinhos de tomate e de pimentão. Quem me conhece,
bem sabe que, com este corpinho de toureiro espanhol que tenho, se eu
emagrecesse ainda mais o touro iria pensar que eu era uma daquelas varetas
que enfiam no dorso dele e não o elegante e malvado toureiro.
Pê da vida, devolvi a mensagem ao caríssimo remetente,
sugerindo que o revolucionário método para emagrecimento
fosse oferecido à sogra da sua esposa, possivelmente uma obesa
senhora de muito respeito.
Desligado
o computador, resolvo ir às compras num supermercado que fica
numa avenida à beira-mar. No caminho observo gordinhos de toda
espécie, quase todos sorridentes, caminhando pela calçada
que segue junto à areia da praia. Tem o barrigudinho com camiseta
de listras verde claro e escuro alternadas, estilo cor-sim-cor-não,
que, com seus braços curtos, caminhava com as mãozinhas
próximas à cintura sustentando a barriga. Dava até
pra pensar que o sujeito na verdade era magro e estava carregando uma
melancia para casa. Vejo também um casal, ambos altos e loiros,
de olhos claros, parecendo alemães, ambos grandões, gordos
da cabeça aos pés que cruzam por um esquelético
rastafari, que caminha preguiçosamente sob uma camiseta cor da
pele - negra - na qual, em letras brancas, está escrito "100%
Negro". Pelo caminhar altivo do casal de pesos pesados, imaginei
que, assim como o rastafari, eles bem poderiam estar usando camisetas
com a expressão "100% Gordo". Mais adiante havia ainda
uma matrona toda serelepe, de batom vermelho vivo, óculos de
sol de armação lilás na cabeça, usando aquelas
calças de malha meia-canela, que as mulheres chamam de legging,
de uma cor rosa alucinante e uma blusa roxo-cheguei colada que delineava
seus seios fafá-de-belenianos. Não eram inflados como
air-bags mas sim, como diria um amigo meu que tem problema para articular
a letra "l", autênticos exemplares de seios tipo "pera",
quer dizer, "pera cintura".
Já
dentro do supermercado, começo minha romaria, de gôndola
em gôndola, à cata dos produtos que precisava e descubro
que realmente é dos gordinhos que elas, as indústrias,
gostam mais. Foi-se o tempo em que a gente entrava num supermercado
e havia tão somente uma acanhada seção, nada mais
que uma mísera prateleira, com produtos chamados dietéticos.
Agora não, parece que nos supermercados baniram tudo que fosse
engordante. Tá escrito light na latinha do refrigerante, no vidrinho
de geléia, no pote de margarina, na lata de goiabada, no frasco
de iogurte e até na bandeja de carne moída. Vá
ver que estão fazendo o boi freqüentar academia na fazenda
para virar carne light depois do abate. Fiquei mais triste ainda ao
saber que, para os gordinhos, até o preço é mais
leve. Pelo menos no caso do leite, pois o litro do leite desnatado custa
menos que o do leite comum. Por ironia, ou sac... (quase escapa aquela
palavrinha que eu queria usar no início), o preço fica,
desta maneira, inversamente proporcional ao peso do consumidor. Literalmente,
a muito custo, consigo encerrar e pagar minhas compras e volto para
casa, pensando com meus botões que deve existir um complô
para discriminar os franzinos do planeta e já imagino criar uma
ONG de proteção aos nossos magros direitos. Não
uma instituição sem peso como seus membros, mas uma grande
organização mundial para congregar esta minoria oprimida.
Pensei até num nome sugestivo, que seria FINO, sigla de Federação
Internacional dos Não Obesos. Se a idéia não funcionasse,
em última instância, apelaríamos ao Greenpeace,
na esfera internacional e ao IBAMA, no Brasil, a quem cabe proteger
espécies ameaçadas de extinção.
Ao
chegar em casa, distribuo as compras nos seus devidos lugares, olho
para o computador e, ao lembrar do insolente e-mail e de que poderia
haver outro igual ou a resposta da resposta, resolvi não arriscar.
Assentei meu magro assento no sofá e liguei o televisor. Tarde
demais, o movimento contra os magrinhos já estava lá na
telinha. O apresentador, de bochechas rosadas anunciava digam logo o
quê? Claro, produtos para gordinhos. Era aquele bendito canal
onde eles exibem comerciais na maior parte do tempo e uns programinhas
nos intervalos entre os comerciais. Foram bem uns 30 minutos anunciando
toda uma linha de produtos para cheinhos e cheinhas, com ofertas irresistíveis
e o insistente apelo para que o telespectador ligasse já.
Fiquei
com tanta raiva que antes de desligar o aparelho atirei o controle na
cara do apresentador, quase arrebentando a minha própria TV.
Foi quando caiu a ficha e percebi que todos aqueles produtos para gordinhos
têm a função de livrá-los das gordurinhas
e deixá-los magrinhos e esbeltos. Assim, se eu conseguir resistir
a não desaparecer totalmente, devido à falta de produtos
que pelo menos me mantenham o peso, estes gordinhos de hoje serão
os magros de amanhã, engordando (ôps) o quadro de associados
da que se tornará a maior instituição não
governamental do mundo, a FINO, presidida por mim, claro.
E
a partir deste dia, a indústria que hoje idolatra e paparica
os gordos passará a produzir novamente engordantes e começaremos
tudo de novo.