2º CONCURSO DE LITERATURA DA FENAE – LETRAFENAE 2004

2º lugar na categoria Crônicas


Antonio Carlos Silva (Salvador/BA)

 

Gordos e Magros - A Revanche

 

Abro o meu e-mail e lá está uma destas mensagens que uns caras chatos enviam a Deus e ao mundo e que os informáticos chamam de spam. Não bastasse a inconveniência da mensagem chegar sem ser solicitada, o título da mesma anunciava acintosamente "Emagreça sem perder a saúde". Digo acintosamente porque, dirigida a mim, a mensagem soava mais como uma ironia. E digo ironia para não usar aquela palavrinha que, na Bahia pelo menos, serve também para denominar um petisco que se fazia em festas caseiras constituído de rodelinhas de salsicha enfiadas num palito, juntamente com pedacinhos de tomate e de pimentão. Quem me conhece, bem sabe que, com este corpinho de toureiro espanhol que tenho, se eu emagrecesse ainda mais o touro iria pensar que eu era uma daquelas varetas que enfiam no dorso dele e não o elegante e malvado toureiro. Pê da vida, devolvi a mensagem ao caríssimo remetente, sugerindo que o revolucionário método para emagrecimento fosse oferecido à sogra da sua esposa, possivelmente uma obesa senhora de muito respeito.

Desligado o computador, resolvo ir às compras num supermercado que fica numa avenida à beira-mar. No caminho observo gordinhos de toda espécie, quase todos sorridentes, caminhando pela calçada que segue junto à areia da praia. Tem o barrigudinho com camiseta de listras verde claro e escuro alternadas, estilo cor-sim-cor-não, que, com seus braços curtos, caminhava com as mãozinhas próximas à cintura sustentando a barriga. Dava até pra pensar que o sujeito na verdade era magro e estava carregando uma melancia para casa. Vejo também um casal, ambos altos e loiros, de olhos claros, parecendo alemães, ambos grandões, gordos da cabeça aos pés que cruzam por um esquelético rastafari, que caminha preguiçosamente sob uma camiseta cor da pele - negra - na qual, em letras brancas, está escrito "100% Negro". Pelo caminhar altivo do casal de pesos pesados, imaginei que, assim como o rastafari, eles bem poderiam estar usando camisetas com a expressão "100% Gordo". Mais adiante havia ainda uma matrona toda serelepe, de batom vermelho vivo, óculos de sol de armação lilás na cabeça, usando aquelas calças de malha meia-canela, que as mulheres chamam de legging, de uma cor rosa alucinante e uma blusa roxo-cheguei colada que delineava seus seios fafá-de-belenianos. Não eram inflados como air-bags mas sim, como diria um amigo meu que tem problema para articular a letra "l", autênticos exemplares de seios tipo "pera", quer dizer, "pera cintura".

Já dentro do supermercado, começo minha romaria, de gôndola em gôndola, à cata dos produtos que precisava e descubro que realmente é dos gordinhos que elas, as indústrias, gostam mais. Foi-se o tempo em que a gente entrava num supermercado e havia tão somente uma acanhada seção, nada mais que uma mísera prateleira, com produtos chamados dietéticos. Agora não, parece que nos supermercados baniram tudo que fosse engordante. Tá escrito light na latinha do refrigerante, no vidrinho de geléia, no pote de margarina, na lata de goiabada, no frasco de iogurte e até na bandeja de carne moída. Vá ver que estão fazendo o boi freqüentar academia na fazenda para virar carne light depois do abate. Fiquei mais triste ainda ao saber que, para os gordinhos, até o preço é mais leve. Pelo menos no caso do leite, pois o litro do leite desnatado custa menos que o do leite comum. Por ironia, ou sac... (quase escapa aquela palavrinha que eu queria usar no início), o preço fica, desta maneira, inversamente proporcional ao peso do consumidor. Literalmente, a muito custo, consigo encerrar e pagar minhas compras e volto para casa, pensando com meus botões que deve existir um complô para discriminar os franzinos do planeta e já imagino criar uma ONG de proteção aos nossos magros direitos. Não uma instituição sem peso como seus membros, mas uma grande organização mundial para congregar esta minoria oprimida. Pensei até num nome sugestivo, que seria FINO, sigla de Federação Internacional dos Não Obesos. Se a idéia não funcionasse, em última instância, apelaríamos ao Greenpeace, na esfera internacional e ao IBAMA, no Brasil, a quem cabe proteger espécies ameaçadas de extinção.

Ao chegar em casa, distribuo as compras nos seus devidos lugares, olho para o computador e, ao lembrar do insolente e-mail e de que poderia haver outro igual ou a resposta da resposta, resolvi não arriscar. Assentei meu magro assento no sofá e liguei o televisor. Tarde demais, o movimento contra os magrinhos já estava lá na telinha. O apresentador, de bochechas rosadas anunciava digam logo o quê? Claro, produtos para gordinhos. Era aquele bendito canal onde eles exibem comerciais na maior parte do tempo e uns programinhas nos intervalos entre os comerciais. Foram bem uns 30 minutos anunciando toda uma linha de produtos para cheinhos e cheinhas, com ofertas irresistíveis e o insistente apelo para que o telespectador ligasse já.

Fiquei com tanta raiva que antes de desligar o aparelho atirei o controle na cara do apresentador, quase arrebentando a minha própria TV. Foi quando caiu a ficha e percebi que todos aqueles produtos para gordinhos têm a função de livrá-los das gordurinhas e deixá-los magrinhos e esbeltos. Assim, se eu conseguir resistir a não desaparecer totalmente, devido à falta de produtos que pelo menos me mantenham o peso, estes gordinhos de hoje serão os magros de amanhã, engordando (ôps) o quadro de associados da que se tornará a maior instituição não governamental do mundo, a FINO, presidida por mim, claro.

E a partir deste dia, a indústria que hoje idolatra e paparica os gordos passará a produzir novamente engordantes e começaremos tudo de novo.